sexta-feira, 28 de junho de 2013


Um fim mal acabado

Seu nome era Constança. Suave como a pluma, falava a respeito da crise mundial, apontando soluções sempre impossíveis e convocando soldados para sua marcha surda. Os estudantes passavam por ela e olhavam como se fosse doida. Depois de horas a fio tecendo teorias a respeito da desigualdade social, seca no nordeste, desemprego e coisas assim, descia do púlpito e seguia muda e só. Marchava sempre só. Estudávamos na mesma universidade. Ela fazia Filosofia, falava francês e gostava de discutir maneiras de resolver problemas insolúveis. Eu fazia Engenharia Civil e estava mais interessado na urbanização desenfreada que ela tanto criticava. Estagiava na construção de alguns condomínios de casas e apartamentos para funcionários públicos e precisava desse impulso para estabilizar de certo modo minha posição. A formatura estava próxima e muito ainda estava por fazer. Éramos completamente opostos e talvez por isso, apesar de meu interesse nunca tenha ousado me aproximar. Ainda assim, com tantas diferenças, aconteceu de a gente se encontrar. Como disse, ela marchava só, chovia, e nessas horas sempre chove. Eu parei meu carro financiado para dar-lhe carona. Os famigerados carros que ela tanto culpava pelos problemas ambientais de bla bla bla. Hoje, apesar de estar na moda, ninguém se preocupa muito com isso. O susto foi tamanho que a fez emudecer. Ela tão repleta de teorias e retóricas emudeceu diante mim acenando para que entrasse. Hesitou, mas entrou indecisa. Olá! Disse querendo ser natural, e aparentando naturalidade nenhuma. Ela me deu um sorriso de lado, um pouco vazio. Conheço você dos discursos inflamados na Universidade. Ela não se voltou para mim um segundo sequer e reparei que estava constrangida. Já reparei em você apreciando “os discursos inflamados” sempre de longe. Vive sempre sem tomar partido de causa nenhuma? Nem sempre. Eu disse rindo por sorrir. Tomo partido de causas menores. Nunca pretendi mudar o mundo. Ela se virou para mim indignada. Foi a primeira vez que pude fitar seu rosto tão perto. Quase bato meu carro financiado embevecido por aqueles olhos azuis lindos. Lindíssimos. Ouso dizer que se o pai de Capitu tivesse visto esses olhos, Dom Casmurro teria se perdido por uma Constança e seus olhos de mar. Um mar sem ressaca, vale ressaltar! Nos perdemos no tempo, meio atarantados por causa da situação. Era um não sei o quê que vinha de não sei onde. Engraçado lembrar. E foi engraçado viver, porque rimos e toda a tensão causada por divergências ideológicas se esvaiu diante dos olhos. Meus e dela. Decerto que meus olhos não eram lá essas coisas. Um castanho despretensioso perde lugar para qualquer par de olhos azuis ou verdes à moda europeia. Nem falo dos cabelos. Apesar de lisos, não eram loiros como os dela. Ah! Paradoxo! Constança nórdica e eu latino. Sorri mais e ela indagou curiosa. Expliquei a contradição e sorri mais ainda. Sorrimos os dois e foi bom! Ela apontou o lugar com o dedo e parei por impulso. Constança desceu do carro militante e rebelde. Agradeceu com um aceno sutil e sumiu na multidão. E pensei que teria sido maravilhoso se tivesse sido minha. Mas as ideologias eram um mal irremediável. Ela queria mudar o mundo e eu... bem, eu não queria. Hoje, anos depois, ela vive em um condomínio construído por mim, trabalha como professora e é mãe de três filhos. Seu marido é dono de uma frota de táxi e pelo que vi, não deu para saber se também sonhava em mudar o mundo.

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