sexta-feira, 9 de agosto de 2013

Ele



Mesmo assim, as coisas estão caminhando razoavelmente bem. Sem clichês, até o pessoal lá em casa está aceitando melhor. No início é sempre aquela onda de intolerância, um silêncio ensurdecedor que se alia às expressões de desprezo, insatisfação. Depois é só o silêncio como a me dizer que contrariei as expectativas de todos! É foda carregar a sensação de ter decepcionado. No fundo, no fundo, eu me sentia na berlinda: ou decepcionava eles ou a mim... Escolhi a primeira opção mesmo não entendendo a razão de tanta frustração. A escolha era minha e dizia respeito a mim. Só a mim? Bebericava um vinho chileno maravilhoso enquanto observava ele se vestir. Era lindo, inteligente e valia cada barra que eu vinha enfrentando. E como valia! Estar com ele era diferente, não apenas novo, mas diferente e a diferença fascina, atrai, prende mesmo! Era 7 da noite e ele veio em minha direção. Hoje iria dormir em casa. Despediu-se de mim e foi embora. Assim que bateu a porta, me veio a velha sensação de insegurança... O pensamento teimava em imaginar coisas, o coração angustiado pela incerteza do “se”. Assustei com o telefone. Era minha mãe perguntando mais uma vez se iria para casa. De última hora decidi que sim. Sorri ao lembrar minha mãe, sem ela todas essas coisas seriam muito mais difíceis de se viver! Apesar de eu perceber claramente que ela não concordava de pronto com minha relação, a maneira como ela lidava com isso era muito mais leve, sem colocar seu amor por mim à prova, sabe? É como se ela, silenciosamente, me dissesse, “amar você independe de certas coisas!”. Maravilhosa a minha mãe. Já o meu pai envolve outras tantas questões... Não sei quem foi que delimitou as funções de pai e mãe, relegando ao pai o papel de intolerante! Me sinto diante dele como alguém sempre em busca de aprovação, com aquela cara de pedinte que implora “por favor, concorde comigo, aceite minhas escolhas”, mas ele finge não ouvir e se faz de cego até. O mais que faça, sempre o faz deixando claro que para ele, minha relação é um borrão no papel que fora apagado e deixara apenas vestígios para ele jogar em minha cara de vez em quando. E quanto mais percebo essa situação, entendo menos essa minha necessidade ridícula de aprovação que parece que exala quando estou diante dele. Até tento controlar, mas não consigo! Queria me libertar desse sentimento insano, pois sei ser impossível, e me sentir mais leve. Acho mesmo que a libertação de mais um “se” seria muito bom para mim. Assustei novamente com minha mãe ao telefone pedindo que chegasse há tempo para o café. Havia feito sopa de abóbora. Hum! Amava sopa de abóbora desde criança! Levantei pensando nele. Queria mesmo ligar, contar que iria para casa. Aquela vontade doida de falar a todo tempo, aquela saudade irracional de quem parece que passou anos sem ver a pessoa. E ele tão independente, tão senhor de si! Sua segurança me assustava, para mim era impossível amar e não temer. E ele não temia! No fundo, no fundo, achava mesmo que não me amava e só de pensar nisso, chegava a perder o fôlego! E por mais que me censurasse, esse pensamento me aparecia insistentemente, como uma certeza real! Assustei com o telefone gritando meu nome e espatifando-se no chão! Bati a porta do apê e agachei em desespero! Merda! Só me faltava ter quebrado o aparelho! E agora? Como iríamos nos falar? Precisava de um aparelho urgente! E se ele ligasse? Respirei fundo tentando parar com aquelas reações ridículas! Eu tremia como se tivesse 15 anos! Entrei no elevador e tentei sorrir! Pensamentos ruins atraem coisas ruins! Afinal, não havia nada que justificasse tanta angústia! Saí do prédio mais leve e decidi que iria a pé. Precisava de ar! Era isso! Uma boa caminhada seria ótimo. E de repente, já não sentia aquele aperto, aquela sensação de perda que sempre incomodava. Entrei em casa pela cozinha, como sempre fazia! O cheiro de sopa de abóbora inundava tudo! E como de praxe, abracei-a por trás! Seu perfume, discreto, era único, suficiente para se fazer sentir sem, no entanto, sufocar. Minha mãe era linda! E como queria ser como ela! Ela tomou meu rosto entre suas mãos e beijou-me como se fosse uma criança. E foi como se nada pudesse me alcançar naquela hora, porque ela estava comigo! Conversamos horas e horas enquanto a ajudava no preparo do jantar. Tudo estaria perfeito, não fosse a leve apreensão pela chegada de meu pai. Ela notava isso! Aliás, ela notava tudo! E no fundo, talvez também ansiasse pela aprovação dele, como eu! Mas sabia que seria complicado... A situação era complicada! Ele chegou calado, sabia que eu estava em casa e se fechava em copas. Aprendera a não mais me maltratar, mas continuava a me olhar como se não me visse! Nos cumprimentamos com polidez e comemos juntos como antigamente, imersos na tranquilidade familiar de costume, quebrada apenas por alguns momentos em que me excedia nos risos e gestos que ele recriminava prontamente. Tudo bem! Há muito tempo que eu, a fim de viver bem, deixara de me impor para ele. E salvo essas situações, a noite correra perfeita, ele fora dormir e nós ficamos a conversar, beber um bom vinho e a rir de coisas banais! Tinha tanta vontade de conversar com ela, falar de meus medos, da minha relação, de como ele era! Mas preferia me calar! Penso que ultrapassaria certos limites! Não sabia exatamente quais eram, mas sabia que havia limites! Acho até que fui eu quem os impus! Era melhor assim!  Tarde da noite, subi para o meu quarto e me deparei com as antigas coisas, os brinquedos nas prateleiras, as fotos na parede. Era bom estar ali e não era, ao mesmo tempo! O cheiro da infância e as lembranças de quando tudo era diferente se misturavam ao presente! Tomei o celular entre as mãos e tentei liga-lo novamente, sem sucesso! Sentei na cama, tentando controlar o turbilhão de sensações que frequentemente me assaltava desde que decidi sair de casa. Por que as coisas deveriam ter aquele peso? Qual a razão de não poderem ser diferentes? Algumas lágrimas caíram de meu rosto... Acho mesmo que não queria ver o óbvio: não pertencia mais àquele universo, àquela casa... Aquelas pessoas amavam outra pessoa e não eu, e como pensar isso era ruim! Um misto de culpa, medo e mais um outro tanto de sentimentos teimava em me atormentar. Definitivamente não conseguiria dormir! Desci as escadas lentamente, há essa hora a casa já dormia! Abri a garrafa do vinho que havíamos bebido até a metade e sentei no sofá da sala. Fiquei ali por horas até me deparar com a figura do meu pai. Ele me olhava soturno, silencioso, e sob a luz do abajur, sua face parecia a de outra pessoa! Sorri para ele, mas não houve resposta, ao contrário disso, houve um olhar que por mais que tente, nunca irei conseguir interpretar. Não era ódio, também não era amor... Não sei o que era! Mas era ruim, porque parecia com nada! Levantei sem fita-lo nos olhos e me dirigi à porta. Juro que pensei que ele iria impedir que eu fosse, mas não o fez! Congelado ao pé da escada, continuou a me encarar com aquela expressão incompreensível, talvez esperando realmente que eu fosse e não mais voltasse, e não mais atendesse às ligações e convites de minha mãe! Abaixei a cabeça – e na verdade nunca entendi porque fiz isso – e saí de lá olhando para o chão. Saí mudo, calado de pensamentos por dentro. Saí e nunca mais voltei!

Carolina Moraes
09 de agosto de 2013

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