Meu pé de laranja-lima
Não lembro do dia em que deixei de acreditar em fadas... Nem faço ideia do momento em que as fantasias deram lugar à outra coisa que não sei ao certo dizer o nome. O que sei é que houve um momento em que não conversava mais com os brinquedos e olhava para as pessoas, sabendo que elas também poderiam me fazer mal. A sensação de olhar para um pé de laranja-lima e perceber que ele não responde mais às nossas perguntas; que, na verdade, ele nunca respondeu; entender que as pessoas poderão nos decepcionar; que nossos pais não poderão impedir nosso sofrimento por mais que queiram... Acho que isso é crescer, sair do casulo e aprender a lidar com a realidade. Mas como crescer sem perder a ternura? Difícil isso!
Em seu livro “Meu pé de laranja-lima”, José Mauro de Vasconcelos fala dessa transição entre acreditar e deixar de acreditar em fantasia; entre ser pequeno e grande ao mesmo tempo; entre a incrível capacidade de sentir dor e reinventar-se depois dela. E tudo isso, através de uma narrativa envolvente que personifica o mágico universo psicológico de um menino fantástico como tantos que conheci e agora não lembro o nome. Longe de ser um livro para crianças, é um livro sobre crianças. Mais que isso! Sobre a criança que nós fomos e deixamos de ser. Por essa razão nos traz nostalgia, porque no fundo, no fundo, todos fomos um pouco parecidos com Zezé, cheios de sonhos e imaginação, buscando ser artistas de cinema com vontade de mudar o mundo; aprendendo a lidar com as frustrações, engolidos pela realidade que nos faz perceber as falhas, o fato, a razão de tudo... e esquecer de quando ainda sonhávamos.
No filme homônimo, recém-lançado
neste ano, o diretor Marcos Bernstein teve a árdua missão de encontrar um
menino espirituoso a fim de dar vida a todo o mundo encantado que povoou o
imaginário de inúmeros leitores que, como eu, se apaixonaram pelas aventuras do
menino que tinha o diabo no corpo e apanhava por suas tantas travessuras; que
tinha um amigo Portuga e um pássaro que assoviava dentro dele. João Guilherme
Ávila é esse menino. E como ele o representou bem! Tanto que coube certinho na
ideia que fazia dele quando ainda tinha 11 anos. José de Abreu, como era de
esperar, dá um show ao personificar meu Portuga, apesar de não ser tão gordo
como quando eu imaginava.
É redundante dizer que a obra
cinematográfica não consegue captar toda a magia do livro, simplesmente porque
quem fazia a magia de tudo éramos nós, leitores, que dávamos vida às páginas do
José Mauro. Apesar disso, o diretor é feliz, porque consegue transmitir os dramas
interiores do menino que precocemente deixa de ser criança. Através do corte do
pé de laranja-lima e da morte de seu amigo Portuga, o garoto vai deixando de
acreditar que a Europa fica no quintal de sua casa, para, finalmente, dizer de
si para si, que sua árvore confidente nunca se comunicou com ele. Era sonho e,
por essa razão, nunca foi real.
Nos custa crer que certos
sonhos não eram reais... Dói perceber que nosso chão não era tão firme assim e
que nossos referenciais poderiam não estar tão certos. Então, como crescer sem
perder a ternura? Difícil mesmo isso! Poderia dizer que a obra de José Mauro de
Vasconcelos fala desta perda da ternura, mas entendo que é justamente o
contrário! O autor nos convida a sonhar novamente junto com o Zezé que ele foi,
que nós fomos, que serão nossos filhos. E nos pede que olhemos para ele, para
nós e nossos filhos com olhos de ternura, de quem os entende, porque um dia já
fomos assim.
Em outros livros do autor,
igual beleza e ternura são encontradas, como em “Vamos aquecer o sol” e
“Doidão”. Recomendo os livros, o filme... Recomendo TERNURA!
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