sábado, 27 de abril de 2013


Marrakech!

Ouço Tom Jobim em meio a crepúsculos drummondianos. As águas de março não vieram por culpa do “El niño”, contrariando as previsões do poeta. E fechando o verão, o que temos é o início de um outro verão perene, pereneando as estações todas, engolindo do outono ao inverno, transformando tudo em quentura, simplesmente. Sem um ar condicionado, ai de mim! Ai de meu cigarro e minhas sestas revigorantes, sempre ao som do Tom, de uma bossa ou coisa assim que me deixe cool, cheia de ideologia, cultura e identidade! Hoje ser engajado, inteligente e consciente é fashion! Por essa razão, o discurso pronto é primordial!  Gosto de me refestelar em minha poltrona “pré-moldada” a meu corpo lipoaspirado e curtir minhas crises baudelairianas como peça sem encaixe de um mundo pós-moderno. Eu, toda out, neocolonizada, atropelada pelas liquidações que passam em alta velocidade, fora do tempo, da grei... Difícil isso! Pensava que viver em pleno século XXI seria mais fácil! Qual o quê! Doidera pura! Às vezes me sinto anestesiada diante de tantos rótulos e tendências! A tendência agora é... E Maria Creuza acusa desesperada, “você abusou... mas não faz mal se eu insisto nesse tema.” Ninguém ouve mais Maria Creuza! Ninguém passa a tarde em Itapoã! Câncer de pele, falta de tempo. Quem é que vadia hoje em dia? E eu já estou bebendo demais, depressiva demais, cansada de nem ser! Meu namorado, o carinha que estou ficando... Tenho quase quarenta anos e me sinto obrigada a falar “o carinha que estou ficando!”. Ouve que ridículo: “o ca-ri-nha que es-tou fi-can-do!”. Se minhas amigas de infância me ouvissem falar assim... Todas bem casadas, filhos bem criados! Diriam: “Analice, que houve com você?” O que houve com você! O divorcio, querida! As velhas traições, a carência de estar sozinha em meu chatô! O que houve! Todo comportamento que foge a regra é ligeiramente censurado com a célebre frase: “o que houve?” Ouvi isso a infância inteira! Estava sozinha com o gatinho do 3º B, “o que houve?”, fugi da aula para ir ao cine, “o que houve?”, estava namorando no elevador do prédio, “o que houve?”, resolvi fazer parte do DA de minha universidade, “o que houve?”. Minhas amigas mais novas se me ouvissem dizer “o carinha que estou ficando!”, também me diriam “o que houve?” Não! Elas ririam da minha necessidade insuportável de parecer atemporal! No fim das contas não me enquadro em lugar nenhum! Larguei o namorado pela terceira vez, recusei o convite para o show, adiei o almoço... Estou fora! Definitivamente estou totalmente fora! Vou ficar aqui “no céu com minha mãe estarei”. Já tentei apelar para a religião, ver se tomava prumo! Católica, evangélica, budista, espírita... Fiquei indecisa! Nada de coisas para confundir mais minha cabeça! No momento, preciso mesmo é de solidão. “Ah! Se a juventude que essa brisa canta, ficasse aqui comigo mais um pouco...” Jhonny Alf! Maravilhoso! Dancei tanto ao som de Jhonny Alf! Eu e Regiane! Íamos às festas juntas, embebedávamos juntas, mas depois de umas coisas mal ditas ela se foi! Pensou equívocos ou não seriam equívocos? Nunca refleti sobre isso! Aliás, nunca tinha refletido sobre nada. Reflexão, só depois dos 35, quando as coisas começam a ter um peso diferente! E depois, esquece! Melhor nem pensar! Mas as ideias ficam amofinando meu juízo! Ai! Adoro essa do Zé! “Eu entendo a noite como um oceano que banha de sombras o mundo de sol”, tão alucinógenas as músicas de Zé! Feito os cigarrinhos que Jonas me dava na época da universidade. Esse até quis casar comigo, mas o Lúcio, aquele desgraçado! Apareceu primeiro, desgraçado. Tinha até a cara bonitinha! Recitava Carlos Drummond como se fosse o próprio! Fui atrás de Drummond e achei noites em claro! “Lição de coisas”. Quando vejo aqueles escritos, cartas e cartas jurando amor shakespeariano. Pai e mãe falando em bom casamento e boa família. Bom rapaz! Tão bom que no primeiro ano de casado, peguei com o advogado transando no jardim do vizinho! Era viado! O sacana hipócrita nem foi homem para assumir! Ganhei uma bolada, tudo pela moral e bons costumes! Chorei horrores! A gravidez de seis meses? Interrompi! In-ter-rom-pi! In-ter-rom-pi! Jesus Cristo há de entender! Se é que existe inferno, o máximo é eu ir para lá! Pior que minha vida sem perspectiva não há de ser! Maisa, “meu mundo caiu”, que chique! Eu aqui, tomando um uísque, odeio uísque, mas é chique! Ouvindo Maísa e deprimidíssima, deprimidérrima, deprimente! O telefone já tocou nem sei quantas vezes. Deve ser o porteiro! Tão preocupado! Acha que vou morrer, o coitado! Só por causa de uns comprimidinhos a mais outro dia! Tem sido cada vez mais difícil dormir, aquele sono gostoso. Queria dormir bem dormido! Mas as ideias! Queria mesmo era ser a Raissa que Lygia colocou no aquário! Quente, irônica, perdida! Mas meu aquário é moderno! Tem ar-condicionado! Graças a dinheirama que Lúcio pagou pelo meu silêncio. Devia mesmo era dizer pra outra mulherzinha dele. Já imagino a cena, a pobrezinha negando, chorando, perguntando “é verdade, Lucinho? Fala que é mentira!” Nasceu pra sofrer, morrer enganada! Desfila com ele como se fosse um primor de macho! E como transa mal! Eu... cheia de verdade e só! É de se pensar se a mentira não vale mais! Mas não importa, falei o que não devia, vi o que não devia, fiz o que não devia! O que está feito, está feito! O negócio é esse! Arre! E os comprimidos que já não dão vencimento. Quero morrer não, mas se esse não fizer efeito, tomo o resto da caixa inteira. Só pra ser encontrada com essa camisola deslumbrante que Cecília me deu! Ia ser chique ser acordada por meu médico M-A-R-A-V-I-L-H-O-S-O! Mas é muito risco pra muito pouco homem! Vale tanto não! Só mais um, e mais um golinho de uísque. Hum, essa mistura não é muito bacana! Mas, parei! Beber por causa de tanta frustração até cansa! E também, dessa vez quero ver tudo, sentir tudo. Vou chamar o porteiro com voz de Ava Gardner, não, Sônia Braga! Deitar no chão, delírio, loucura! E chega desse papo qualquer coisa! Deixa eu pra lá de marrakech! Mexe, mexe!

Carolina Moraes

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